AEDIN Entrevista Adriana Martins

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Dando continuidade à série “AEDIN Entrevista”, conversamos agora com Adriana Martins, coordenadora da AEDIN. Nesta segunda edição, Adriana compartilha sua trajetória na coordenação da associação, os desafios e conquistas do trabalho voltado ao desenvolvimento do distrito industrial de Santa Cruz e, entre as curiosidades da conversa, conta um pouco sobre sua experiência no curso Clean District Energy, realizado na Dinamarca entre agosto e setembro de 2025.

Da esq. para direita: André Souza, Melissa Rocco e Adriana Martins.

AEDIN: Quais foram os principais aprendizados que considera mais relevantes para serem aplicados no Distrito Industrial de Santa Cruz?

Adriana Martins: O principal aprendizado foi a abordagem sistêmica dinamarquesa para a inovação. Em vez de soluções isoladas, eles criam uma infraestrutura compartilhada e integrada. Para Santa Cruz, o mais relevante é a possibilidade de estudar a viabilidade de uma rede de geração e distribuição térmica que seja inteligente e descentralizada, focada em resfriamento (cooling). Essa rede combinaria múltiplas tecnologias e fontes de energia, transformando as indústrias locais em “prosumidoras”, ou seja, produtoras e consumidoras de energia térmica.

Entre os temas discutidos, como reaproveitamento de recursos, eficiência energética e inovação em infraestrutura, qual você acredita que tem maior potencial de implementação imediata em nosso contexto?

Acredito que a criação de uma central de cogeração de resfriamento (district cooling) tem o maior potencial de implementação imediata. O Brasil possui vantagens competitivas, como uma matriz energética com mais de 80% de fontes renováveis e grande disponibilidade hídrica. Essas condições permitem que se avancem com estudos de viabilidade para integrar tecnologias de resfriamento distrital de 4ª e 5ª geração. Podemos começar aproveitando o calor residual das indústrias e utilizando fontes como efluentes tratados ou água subterrânea para alimentar essa central, substituindo unidades de refrigeração individuais e melhorando a eficiência de todo o sistema.

O que mais chamou sua atenção no modelo dinamarquês de economia circular e simbiose industrial que pode inspirar mudanças aqui no Brasil?

O que mais me chamou a atenção foi como uma crise energética em 1975 os forçou a adotar um modelo disruptivo. A Dinamarca implementou um robusto arcabouço de políticas públicas, incluindo planejamento térmico e de zoneamento. A estratégia de usar instituições públicas para desenvolver projetos âncora, demonstrando a viabilidade inicial para depois escalar as iniciativas, é uma lição poderosa. Essa capacidade de transformar uma necessidade em uma vanguarda de inovação, com forte apoio de políticas públicas, é o que pode nos inspirar a criar um ambiente fértil para uma economia de baixo carbono no Brasil. O Programa de Simbiose Industrial que estamos estruturando em Santa Cruz busca justamente seguir esse caminho, sempre em alinhamento com as autoridades competentes.

O quanto foi importante para a AEDIN participar desse curso e adquirir esse conhecimento em um cenário internacional?

Foi fundamental. A participação nos permitiu absorver conhecimento de ponta sobre sistemas de aquecimento e resfriamento distrital e, demonstrou o quanto políticas públicas são importantes para viabilizar a inovação. Posso dizer que já temos delineado as propostas para os próximos passos, como a criação de um projeto-piloto, a articulação com agências de fomento para financiar estudos de viabilidade. Essencialmente, o curso nos subsidiou deu conhecimento técnico e estratégico para expandir a Simbiose Industrial, agregando mais uma oportunidade de projeto transformador em Santa Cruz.

De que forma essa vivência fortalece a presença da AEDIN em debates globais sobre sustentabilidade?

Essa vivência nos posiciona como uma instituição ativa e informada no cenário internacional. O programa foi desenhado para conectar tecnologias dinamarquesas a projetos em diversos países, e o Brasil tem potencial. Participar de um curso suportado pelo Ministério das Relações Exteriores da Dinamarca e organizado por instituições renomadas demonstra o compromisso da AEDIN com a busca por soluções globais para a transição energética, fortalecendo nossa voz e presença nesses debates.

Você acredita que a capacitação traz maior credibilidade e abre portas para parcerias estratégicas da AEDIN com empresas e instituições no Brasil e no exterior?

Sem dúvida. A credibilidade vem de aprender diretamente com quem é vanguarda em inovação energética. Isso abre portas concretas, possibilitando outras parcerias para avançar com a viabilidade dos projetos. Além disso, a presença de representantes de órgãos como ANEEL e PNUD na comitiva brasileira fortalece nossa capacidade de articular parcerias estratégicas no âmbito nacional.

Considerando o modelo europeu, que práticas ambientais poderiam ser adaptadas à realidade do Distrito Industrial de Santa Cruz?

O desenvolvimento de um sistema de resfriamento distrital (district cooling) é muito promissor. Isso envolve a criação de uma rede térmica para valorizar o calor residual dos processos industriais, o uso de efluentes tratados e águas subterrâneas como recursos, e a implementação de tecnologias como bombas de calor (heat pumps) e chillers de absorção. Isto pode ser fomentado por meio da criação de um Sandbox Regulatório, que é um ambiente experimental construído em conjunto com os órgãos competentes, para testar o modelo de negócio e a regulação necessária antes de uma implementação em larga escala.

Na sua visão, quais são os desafios para implantar um projeto de resfriamento distrital e como esse aprendizado pode contribuir para enfrentá-los?

Existem alguns, mas o desafio inicial é descontruir o modelo tradicional utilizado em parques industrial que é a unidade de resfriamento individual. Contudo para enfrentá-los, precisamos considerar um conjunto de aspectos legais e regulatórios que envolvem competências federais, estaduais e municipais, além de normas técnicas, requisitos de segurança e meio ambiente. Com isso, conseguiremos trabalhar com transparência e segurança.

Você poderia citar exemplos de soluções sustentáveis que possam gerar impacto tanto na redução de resíduos quanto na melhoria da eficiência energética?

Sim. A principal solução é tratar o “resíduo” como recurso. Podemos, por exemplo, aproveitar o calor residual das indústrias, que hoje é desperdiçado, para alimentar a rede de resfriamento. Outro exemplo é o uso de efluentes tratados como fonte de energia para o sistema. O district cooling do Catar, é um case que comprova a eficiência na implementação de uma central de cogeração de cooling e quanto isso pode ser superior ao abastecimento descentralizado. Isso potencializa ainda mais quando a matriz energética é limpa, que é o caso do Brasil.

Como esse conhecimento adquirido pode contribuir para o fortalecimento do desenvolvimento local em Santa Cruz?

Esse conhecimento tem alto potencial para o desenvolvimento local. Para as indústrias, uma infraestrutura compartilhada de resfriamento gera segurança no fornecimento de energia e ganhos de escala, tornando-as mais competitivas. A atração de investidores estrangeiros e o fomento a uma economia de baixo carbono também fortalecem o ambiente de negócios local.

De que maneira iniciativas de simbiose industrial podem beneficiar não apenas as empresas, mas também a comunidade que vive no entorno do distrito?

As empresas se beneficiam com a redução de custos por meio do ganho de escala e com a segurança no fornecimento de utilidades. Elas também podem transformar um resíduo (calor residual) em um recurso, tornando-se “prosumidoras” na rede. Isso eleva o distrito industrial a um ambiente mais forte, inovador e que gera estabilidade econômica e de empregos.

Você acredita que essa experiência internacional pode ajudar a aproximar ainda mais empresas, governo e sociedade em torno de uma agenda de sustentabilidade?

Acredito que sim, pois ela nos fornece um caminho claro para essa aproximação. O principal é abrir um diálogo ativo e transparente com as empresas, governo e sociedade. A própria natureza do projeto, que visa a eficiência, cria uma agenda positiva e comum, capaz de unir esses diferentes atores em torno de um objetivo compartilhado de desenvolvimento sustentáve