Dando continuidade à série “AEDIN Entrevista”, conversamos agora com André Portela, Gestor de Facilities da Cladtek e representante da AEDIN no Seminário de Capacitação sobre Construção e Gestão de Parques Industriais China–Brasil. Nesta terceira edição, André compartilha os aprendizados dessa imersão internacional, suas impressões sobre o modelo chinês de desenvolvimento industrial e como essa experiência reforça as estratégias e perspectivas para o Distrito Industrial de Santa Cruz. Entre os destaques da conversa, ele comenta também a importância da Simbiose Industrial e as oportunidades que esse intercâmbio global pode gerar para a região.

AEDIN: André, você participou do Seminário de Capacitação sobre Construção e Gestão de Parques Industriais China–Brasil, representando a AEDIN. Como foi essa experiência e o que mais marcou sua participação?
André Portela: Foi uma experiência incrível. Temos uma visão muito limitada do que é a China moderna. Apesar das informações das reportagens e de percebermos a tecnologia que eles vêm entregando, ainda imaginamos a China como um país rural e com ilhas de tecnologia.
Na realidade, percebi um país com um planejamento estratégico de longo prazo e muito consciente de suas limitações e potenciais. Nas diversas explicações que tive durante o curso, percebi que a estrutura de governo, da forma como é, permite que eles possam realizar tudo o que o Partido Comunista deseja. Lá, o partido é um órgão de Estado. Eles iniciaram o comunismo nos moldes da Revolução Russa, mas desde 1980 têm uma forma de governo totalmente diferente das teorias de Karl Marx. Desenvolveram um Socialismo de Mercado, no qual fomentam o investimento em indústrias, comércio, infraestrutura e, atualmente, tecnologia. O que há 30 anos eram vilas de pescadores ou colônias rurais, hoje são megacidades urbanizadas, arborizadas e com alta tecnologia.
As indústrias participantes têm os 3 primeiros anos sem pagar impostos, mais 2 anos pagando 50% dos impostos e, após isso, nos distritos industriais paga-se 15% de impostos.
O seminário envolveu visitas a indústrias e parques tecnológicos na China. Que práticas ou modelos de gestão mais chamaram sua atenção durante essas visitas?
Uma prática muito interessante foi estar participando de um Seminário de Gestão de Parques Industriais e perceber que havia diversos outros seminários com diversos países visitando a China. Essa é uma prática para desenvolver um network apresentando a China para o mundo. Outro ponto foi a estrutura criada para apresentar todos os produtos e estruturas que os parques industriais têm para fornecer ao mundo ou mesmo captar novas indústrias.
Entramos em grandes espaços preparados para apresentar a história de cada distrito industrial, com apresentações 3D em áudio e vídeo, protótipos e produtos fabricados, sempre com uma equipe de pessoas para nos recepcionar de forma muito respeitosa e buscando nos passar as informações em português.
A infraestrutura apresentada para captar indústrias é incrível. Nos distritos disponíveis existe toda a infraestrutura de transporte — por barcos, avião, trem e rodoviário — além de infraestrutura sanitária, elétrica e de dados. As indústrias participantes têm os 3 primeiros anos sem pagar impostos, mais 2 anos pagando 50% dos impostos e, após isso, nos distritos industriais paga-se 15% de impostos.
O grande problema que nós, capitalistas, reclamamos é a questão da propriedade privada. Isso eles resolveram desde 1990, quando liberaram contratos de concessão por 30 anos, renováveis e com direito à hereditariedade. Com tudo isso, a China é atraente, pois tem mão de obra barata e agora extremamente qualificada, já que investe pesado em educação. O grau de analfabetismo é de 5%. Os distritos são vinculados a institutos de tecnologia e a universidades.
Além de aprender com o modelo chinês, a AEDIN também apresentou o Distrito Industrial de Santa Cruz e o projeto de Simbiose Industrial. Como foi levar essa experiência brasileira para um público internacional?
Apresentamos nossos conceitos de Simbiose Industrial, bem como a criatividade que nosso povo sempre leva a todos os países. A integração com as pessoas foi muito boa. Nossa comitiva tinha pessoas da área privada e também representantes governamentais: cariocas, mineiros, baianos e um capixaba para temperar nossa presença.
Nossas perguntas sobre meio ambiente e recursos renováveis eram respondidas saindo um pouco pela tangente, pois nem todos os distritos estão desenvolvendo essas práticas. Os chineses valorizam muito as práticas aplicadas e já têm conceitos sendo implantados.
Na prática chinesa, eles primeiro fazem a aplicação em um distrito industrial para ser modelo e, posteriormente, replicam para os demais. No Distrito de Dezhou, há 70% de energia renovável com base em projeto integrado de geração de energia solar e eólica e de armazenamento. Em 2024, segundo dados apresentados, houve uma redução de 785 mil toneladas de carbono, sendo uma redução de 32% em relação ao ano de 2021. Está em desenvolvimento o primeiro parque industrial de Carbono Zero para desenvolvimento e fabricação de combustível para aviação SAF com hidrogênio e amônia verde, com participação do Brasil — Parque de Chifeng.

Na sua visão, quais pontos do modelo de gestão de Santa Cruz mais despertaram interesse ou curiosidade dos participantes do seminário?
Tecnologia, inovação, planejamento na infraestrutura material e humana, e disposição para atingir as metas estratégicas.
O projeto de Simbiose Industrial foi destacado como um exemplo de inovação. Que aspectos desse projeto você considera mais inspiradores ou promissores para outras regiões?
Participamos de uma feira onde havia um seminário com diversos países e apresentamos a Simbiose e a implantação da BYD na Bahia como sendo os pontos focais de nossa conexão com a China.
Por fim, necessitamos nos aproximar das escolas técnicas e da academia para desenvolver não somente a Simbiose, mas promover o desenvolvimento pelo conhecimento e tecnologia.
Pensando no que foi observado na China, há práticas de sustentabilidade ou economia circular que você acredita poder adaptar à realidade de Santa Cruz?
Necessitamos estruturar melhor a forma como nos apresentamos para as partes interessadas. Também ficou evidente que necessitamos amadurecer os laços com as instituições governamentais para podermos criar um ambiente de negócios mais agradável e atrativo para o investimento das indústrias atuais e para atrair mais indústrias. Nossa infraestrutura está muito aquém de nossas necessidades, e necessitamos motivar e influenciar todas as esferas de governo sobre a importância das indústrias como ponto estratégico para o desenvolvimento. Por fim, necessitamos nos aproximar das escolas técnicas e da academia para desenvolver não somente a Simbiose, mas promover o desenvolvimento pelo conhecimento e tecnologia.
Voltando ao seu trabalho na Cladtek, você pode nos contar quais são suas principais atribuições como Gestor de Facilities e como elas se conectam com essa visão de sustentabilidade e inovação?
O Facilities atua para proporcionar infraestrutura e suporte necessários para que as demais áreas da empresa possam desempenhar suas atividades com produtividade, em um ambiente seguro, acolhedor e que motive a criatividade e a interação entre as pessoas. Com isso, cuido da segurança, monitoramento de segurança, portaria, limpeza e conservação, refeitório, gestão da frota de veículos e transporte dos colaboradores, jardinagem, gestão das salas de reuniões e de treinamento, bem como das áreas comuns. Temos diversos espaços para a descompressão dos times e lojinhas no sistema “pegue e pague” para animar o cafezinho e o intervalo entre as atividades.
Junto com o time de RH, organizamos os eventos motivacionais e de valorização das pessoas, como formatura dos Jovens Aprendizes, cursos de formação e a confraternização de final de ano.
Para estimular e criar um ambiente agradável, é importante sempre criar novas condições e espaços, contribuindo com uma cultura de integração e trabalho em equipe. Acredito que, com a forma de atuar que temos, contribuímos para que o time possa manter o ritmo de trabalho em um ambiente agradável e motivador.
Na Cladtek, estamos atuando com a reutilização de tambores de aço que são descartados pela Casa da Moeda, e nosso resíduo de esgoto também é encaminhado para uma empresa parceira.
A Cladtek é uma das empresas participantes da Simbiose Industrial. Quais ações concretas têm sido desenvolvidas e quais resultados já podem ser percebidos?
Nossa participação na Simbiose é muito forte. A Melissa Rocco é a coordenadora desse programa e vem realizando um grande trabalho junto com os demais participantes da comissão e o time da AEDIN. Lembro que, quando a comissão de meio ambiente iniciou suas reuniões, eu, como diretor da AEDIN, junto com a Adriana Souza, convidamos todas as empresas para encaminhar representantes, e ali foi o ponto inicial para o desenvolvimento da Simbiose Industrial. A Melissa é gerente aqui na Cladtek, mas estava nova na casa; trabalhamos juntos para conseguir a liberação dela para a primeira viagem para Kalenborn, na Dinamarca, e, com minhas ações na Diretoria Financeira, fomos estruturando e financiando as iniciativas desse programa, que vem crescendo a cada ano.
Na Cladtek, estamos atuando com a reutilização de tambores de aço que são descartados pela Casa da Moeda, e nosso resíduo de esgoto também é encaminhado para uma empresa parceira. Conseguimos mobilizar nossa diretoria, que vem sempre prestigiando os principais eventos em que a Simbiose, junto com a AEDIN, está presente. Simbiose é uma perspectiva de convivência e contribuição mútua entre as partes interessadas, proporcionando a famosa relação ganha-ganha, e é um aprendizado em cada etapa.
Na sua opinião, de que forma a Simbiose Industrial pode impulsionar o desenvolvimento econômico e social da comunidade do entorno do distrito?
Acredito que a Simbiose tem tudo para ser um grande impulsionador do desenvolvimento econômico, na geração de saving para as empresas participantes, na atração de novas partes interessadas, na geração de tecnologias, na aproximação da academia e das escolas técnicas e, principalmente, na geração de renda para as comunidades. Mantendo o ritmo atual e estruturando tudo o que vem sendo elaborado, acredito piamente que serão atraídas e geradas startups para soluções e novos processos, gerando valor e ressignificando os resíduos em matéria-prima e novos produtos.
Estamos no caminho certo, pois temos pessoas muito competentes, mas necessitamos ampliar a mão de obra, criar uma forma de financiamento e captar parceiros para que as práticas que vêm sendo realizadas entre empresas possam se estruturar e ganhar a robustez necessária para ampliar a influência positiva.
Quais são os principais desafios para expandir esse modelo de colaboração entre empresas da região e como a AEDIN pode contribuir para superá-los?
No DI somos 15 companhias muito diferentes por conta de nossas atividades-fim e por sermos pessoas jurídicas totalmente diferentes umas das outras. Temos empresas públicas, grandes siderúrgicas, indústrias químicas, metalúrgicas etc., cada uma com uma cultura e estratégias de negócio diferentes.
Os primeiros desafios foram iniciar o comitê de meio ambiente e a interação. No último ano, o pessoal atuou na coleta de dados para montar um fluxo simbiótico possível entre as empresas, e agora o desafio é estruturar e colocar em prática os projetos da Simbiose com um plano de negócio. Estamos no caminho certo, pois temos pessoas muito competentes, mas necessitamos ampliar a mão de obra, criar uma forma de financiamento e captar parceiros para que as práticas que vêm sendo realizadas entre empresas possam se estruturar e ganhar a robustez necessária para ampliar a influência positiva.
O relacionamento com o Governo do Estado é muito bom. Eles têm aberto muitas portas e contribuído muito para a divulgação e evolução do programa até aqui. Necessitamos agora que a legislação seja modernizada para possibilitar, por exemplo, o comércio do resíduo da empresa A que, para a empresa B, é matéria-prima. O estímulo às práticas amigas do meio ambiente poderia também auxiliar a motivar as empresas a investirem no programa.
A experiência na China também teve o objetivo de ampliar conexões globais. Você vê oportunidades de parcerias ou investimentos internacionais a partir dessa troca?
A experiência na China nos ajudou a conhecer empresas de lá e a criar um grande vínculo com o Consulado Chinês, que tem indicado as empresas de lá a visitarem nosso distrito. Necessitamos apresentar bem nosso distrito e seus pontos positivos, e estimular todas as esferas de governo a criar melhores condições para negócios no Distrito Industrial, de forma a atrair mais empresas e ter infraestrutura.
Como na China estávamos com uma delegação da Bahia e de Minas Gerais, isso também ajudou a aproximar essas pessoas com o network.
De que maneira essa vivência reforça o compromisso da AEDIN em conectar Santa Cruz ao futuro da indústria?
Desde quando a Diretoria atual assumiu a AEDIN, estamos buscando transformar a Associação, adotando as melhores práticas administrativo-financeiras, bem como criando e ampliando as conexões com todas as partes interessadas que possam contribuir para um bom ambiente de negócios às indústrias aqui instaladas. Nosso primeiro desafio foi trabalhar para que o acesso às empresas pudesse ser normalizado. Criamos uma governança interna mais moderna e estratégica, modernizamos nosso site e investimos em uma comunicação mais efetiva, promovendo nossas ações e as das empresas associadas. Com isso, criamos mais dois comitês, o da Simbiose e o de Segurança, que, junto com o PAM (Plano de Auxílio Mútuo), compõem a atuação da AEDIN junto às empresas e partes interessadas.
A experiência vivida na China me abriu os olhos para uma questão muito relevante: necessitamos investir ainda mais em network com todas as partes interessadas. Precisamos ter um escritório mais moderno, tecnológico e interativo, que possa apresentar, de forma encantadora, todos os nossos associados, a integração e as ações que temos como diferencial competitivo em relação aos demais distritos industriais do Rio de Janeiro e do Brasil. Precisamos convencer o Estado, o Município e o Governo Federal de que é imperativo investir em indústrias, serviços, comércio, agregados à academia e aos centros tecnológicos.
A Simbiose não pode ser apenas um plano para ajudar o meio ambiente, mas sim uma estratégia de negócio e uma forma de relacionamento entre as empresas. Necessita ser rentável para todos, agregar valor para a comunidade e ser sustentável.



